domingo, 26 de março de 2017

Aos Mestres

Abri bem os vossos olhos, aí chegam os vossos tutelados.  Nem todos, entretanto, possuem o mesmo espírito. Suas almas carregam a intemperança de seus lares, a dureza das ruas. O excesso de informação ou a falta de zelo fizeram com que naqueles corpos infantis nascessem jovens despreparados. A turba se agita, como se fossem iniciar uma grande festa. Os bancos da escola vão sendo ocupados um a um.

Guardai fortemente a vossa esperança no futuro, visto que para muitos é a única que existe. Mesmo sem saber, alguma coisa os move para a escola, como alguém que procura um rumo para si.  Eles, porém, têm que lutar contra os seus corações rebeldes e ainda cheios de sonhos, que insistem em viver na irresponsabilidade. Eles precisam de alguém que os acolha.

Tende coragem! É preciso coragem para arar o solo da ignorância transformando-o em algo bom. Como já ouvistes desta história, nem todas as sementes cairão sobre solo fértil. Algumas mesmo cairão sobre corações de pedra, incapazes de fazer florescer em si qualquer coisa.  No entanto, mesmo as sementes ressecadas e o vosso esforço em cultivá-las deixarão marcas indeléveis naqueles corações. Outros tantos, com seus corações arenosos, dos tipos que não conseguem fincar raízes, se perderão no meio do caminho.  Um grande impulso será visto no começo, o desabrochar da semente que insiste em eclodir, mas despois virá o desânimo, a tristeza, o abandono de si mesmos.  Outros, talvez porque ainda despreparados para a luz do conhecimento, preferirão jactar-se do que aprenderam, esquecendo-se de outra máxima que preconiza que o mínimo conhecimento abre espaço para dimensionar o verdadeiro tamanho de nossa ignorância. Estes se esquecem que à sombra de si mesmos, assim como as plantas, nada se desenvolve. Não saberão olhar para fora de si, buscando o bem comum e, pelo mecanismo essencial da vida, por si mesmos serão condenados.  

Todas as sementes e todos os solos são importantes. Entretanto, será através dos corações generosos e humildes daqueles pequenos que miram no horizonte os seus objetivos, que vereis florescerem campos e flores de todos os matizes.

Não desistais! Lembrai que depois da mãe e do pai que nos facilitaram os meios essenciais da vida, foram os mestres que nos guiaram para fazer-nos ser o que somos. Olhai ao vosso redor. Tudo o que o homem construiu tem um pouco de vós: da linha que escreve, ao traçado dos edifícios. Do tecido que protege, ao remédio que cura. Da enxada que cultiva, ao prato que alimenta.

Sois cultivadores da alma e do conhecimento. Sois os pais do futuro. Dai de si e olhai mais além. Deixai cair indistinta e fartamente sobre todos as vossas sementes.


Frederico Ferreira

sábado, 25 de março de 2017

Solidão

No fundo sei que jamais estou sozinho.
Eu não preciso de olhos para ver aquilo que o coração sente.

É com eles, com os meus bem amados de ideal, que sinto Plenitude
E a força que movimenta e entusiasma e impulsona
O trabalho que não cessa jamais!

Aquele que aspira o progresso não olha para trás;
Vê o céu de luz à sua frente.
Não há dores terríveis, não há problemas insolúveis. Não há medo.
Só há coragem e vontade de vencer-se!

Há barulho demais nas multidões.
E é lá, que fracos, nos colocamos longe de nós mesmos. 
Eu preciso ouvir-me.
Lembrar-me dos que já se foram, dos que me querem bem. 
- E que estão sempre presentes.

Os olhos cerram.
É no silêncio do sonho que a solidão é muda.
Lá é onde encontro comigo mesmo.

Frederico Ferreira

sexta-feira, 24 de março de 2017

Sombra

Eu não sou a sombra que projeto. 
Meu corpo vive como o espírito que nele habita.
A sobra é efêmera, elástica, insensível.

Quando muito ela se molda às asperezas do mundo que percorro.


Não corre nela as veias de sangue, o arfar do peito que se agita às emoções.
Ela não sente o coração oprimido ou jubiloso,
O doce afago do vento sobre mim.
Ela não sente a pele de quem eu amo, nem o beijo quente que me afaga.


Quando aqueles que não me conhecem me procuram, é a minha sombra que eles enxergam.

É isto que eles querem ver: o corpo sem olhos,
                                         a vontade amorfa,
                                         a projeção vazia do meu eu.
Matéria bruta! Um cérebro encarcerado e um coração artificial.

Eu não sou a sombra que projeto. 

Frederico Ferreira

sexta-feira, 3 de março de 2017

Bicicleta

Quem olhasse para ele com atenção,
Perceberia alguma coisa de diferente:
A voz não muito clara,
O andar confuso e desconjuntado,
Os membros desproporcionais,
Os esgares involuntários.  
Ele subira uma pequena colina empurrando sua bicicleta a pé.
Começou a pedalar e seguiu adiante, morro abaixo.

O corpo pesado e desajeitado para aquela Alma transformara-se.
Foi tomado de um prazer imenso, quase um êxtase.
Não era mais um corpo que seguia,
Era uma Alma que voava. 

O sorriso imenso, 
         os cabelos desalinhados,
O olhar esgazeado de torpor...
O vento!...

Naquele instante, ele conhecera a Liberdade. 

Frederico Ferreira