sexta-feira, 8 de junho de 2018

Boldo

Foi só agora que me dei conta de que mataram o pé de boldo. Na semana passada, o movimentar das máquinas, o remover a terra bruta na descoberta do solo inculto, o aplainar imperfeições naquilo que a natureza julgou perfeito, não me deixaram pensar que aquele pequeno arbusto colado ao terreno de minha casa, estivesse ameaçado. 

Entre os escombros, já havia visto o mamoeiro jovem, com folhas ainda verdes, relegado ao abandono. Sim, aquele minúsculo pedaço de terra ao lado, pequeno canteiro, oásis no meio de um deserto improdutivo, foi por algum tempo útil. Produziu alfaces orgânicas e outras coisas boas de se comer e também ajudou a curar muitas dores de cabeça da vizinhança. Por último, o mamoeiro que ali florescia, de sementes jogadas a esmo, mas que não teve tempo de mostrar a que veio. 

Quando aqui chegamos, este terreno ainda abrigava palmeiras onde um pica-pau, livre, fez sua casa. Certamente, deveria ter outras, nômade que era, uma vez que o víamos apenas nos meses de junho e julho, tornando-se mais presente por seu canto.  Era bom ouvi-lo no final do dia. Ele dava um ar bucólico ao que já era natural e, por sua beleza e simplicidade, também nos trazia alegria.  Quis Deus, no entanto, que o pica-pau abandonasse aquela casa e, à força dos ventos de destroem casas de pássaros e de homens, destruiu também a dele. 

Como havíamos dito, por sua natureza leve e desapegada, não se deixou esmorecer e do trabalhar por sua sobrevivência, construiu uma nova casa na floresta o lado.  Sei disso porque estamos em junho.  Sorte diferente teve o pé de boldo e eu. Agora, no lugar da nova casa do pica-pau, um lugar verde e protegido e que vê-lo da nossa janela já apaziguava a nossa alma nos momentos de amargura, verei paredes e janelas e telhados. 

No entanto, até quando durar a chama de vida do meu amigo e viajante pássaro outonal, seguirei aguardando seu canto. 

Frederico Ferreira

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