A folha branca
repousa sobre a mesa. Na mão do escritor, a caneta. Na cabeça, a ideia.
Para a maioria,
esse é o momento atroz, como alguém que espera na largada o sinal para a
corrida. Dalí surge a primeira palavra como a primeira passada que se dá, o
primeiro fôlego que se toma, a primeira gota de suor que escorre. Não é o
corredor que faz a corrida. É o caminho que se abre diante dele, como uma rota
que o alimenta, como uma força que o impulsiona até a linha de chegada.
Não é o corredor que vence; é antes o caminho que o conduz à vitória.
O texto é
soberano no papel. Não é a caneta que o escreve. Ela apenas faz descobrir a
beleza oculta naquilo é branco. Contrariando todas as leis da Natureza, ela o
fecunda através da tinta, como dois corpos que se entrelaçam em busca da
criação.
Assim como o
beijo escolhe a boca, o ninho escolhe o pássaro, a comida escolhe a fome, a
treva escolhe o lume. O anel escolhe o dedo, o susto escolhe o medo, o
monte escolhe o cume, é o texto que escolhe a língua em que quer ser escrito,
não o autor. Dessa maneira, o texto célebre, o romance colossal só o é porque
foi intuído por algum gênio na língua mais perfeita para si. Permeando os
costumes, o tempo, a linguagem e a construção dos clichés que conhecemos hoje, edificou
uma obra que permanecerá viva ainda por muito. Fica fácil entender, portanto,
porque D. Quijote veio de Cervantes e
Les Misérables de Hugo. Cada um deles
é muito mais do que aventura e fidalguia, idealismo e luta. A língua fala o
sentimento de uma nação inteira, o sentimento de seu tempo.
E o escritor, o
que é? É justo jactar-se quando se percebe que não passamos de instrumentos, de
descobridores de tesouros, de desbravadores intrépidos em busca de novas
paisagens? O que somos nós senão um meio imperfeito, vassalos de nossas
limitações, muitas vezes incapazes de sentir o sopro que inspira, de enxergar a
luz que guia, de percorrer o caminho que liberta?
Ousaria dizer
que não passamos de usuários de tudo o que já existe. Não criamos nada. Tudo
está pronto, tudo nos é oferecido na sua inteireza e singular simplicidade. O
belo é simples. Mesmo para palavra, o verbo singelo e solitário, nosso trabalho
consiste na busca da nuance, como quem cria uma nova molécula, que
metamorfoseia o elemento puro na frase que compõe o texto, transformando-se em
sua própria substância.
No entanto, o
que é a palavra senão a materialização do sentimento, a exteriorização da dor e
da alegria, da paixão e do desencanto, da ignorância e da verdade que é soprada
pela nossa alma como um clamor para entender a vida? O que é Amor senão a
abnegação pura, o esquecimento de si mesmo e cuja força se manifesta no mundo
através do perdão que liberta, da criação que transforma, da dedicação que
ensina e do carinho que envolve? Quando pensamos Luz, não estaríamos nos
referindo apenas ao facho que ilumina, mas aos raios que dispersam a treva, ao
ponto de referência que guia o nosso olhar e fortalece a nossa virtude? É
o calor que nos abrasa e nos envolve, nos acaricia no âmago e nos mostra que
nossa sombra se dissipa à medida que nos aproximamos dela.
A Luz é para a
vida o que é o texto para o papel: A força que conduz.
Frederico Ferreira
Trafa teksto pri la subjektiveco de la arta kreado, precipe se temas pri verkado de teksto. La demando estas: kio estas aŭtoro?
ResponderExcluirLa autoro estas tiu kiun servas kiel utilo, kiel auskultanto de siaj internaj vocxoj, aux ecx tiu kiun eltrovas la vojon sur kiun li estas kondukata.
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