Quando nasci, eles eram quatro. Hoje refletindo, e acho curioso ver crianças na sua aversão natural a frequentar a casa de idosos – porque, segundo eles, não há nada para fazer –, percebo que para mim era o contrário, adorava estar lá.
Cris, homem muito simples, não tinha carro. Adorava andar de bicicleta, e tinha uma daquelas robustas, para durar umas quatro gerações. Pneus grossos, macia, sem luxo algum, mas que parecia deslizar sem qualquer esforço sobre as ruas de paralelepípedo de Lorena. Meu pai apelidou-a de Jipão. Não apenas isto era singular em sua casa, mas também as varas de pescar de bambu sem molinete, as ferramentas antigas, o seu sotaque do Sul de Minas e o café tomado em canequinhas de ferro, laqueadas, que queimavam a mão da gente e davam um gosto especial de estar lá ouvindo as suas histórias.
D. Alice, a mãe de Clarice, morava com eles e era a avó de Maia. Esse era o seu apelido, no entanto só a tratávamos assim. Embora bem idosa, era muito ativa. Adorava cozinhar e coser. Era através da costura que D. Alice e Clarice ajudavam nas despesas domésticas e complementavam a módica aposentadoria da Fábrica Pres. Vargas de Piquete. Este era o seu afazer, mas era na cozinha que a verdadeira vocação das duas se revelava. D. Alice, que foi casada com um sírio, aprendeu e passou adiante o tempero e o jeito de fazer as comidinhas que hoje são, para esse particular, a minha referência.
Nos finais de semana, nos reuníamos com frequência. Eu o via cuidando de suas crias, seus passarinhos e dois vira-latas, conversávamos sobre as pescarias, as histórias da fábrica e de como ele a conheceu. Aos poucos, éramos envolvidos pelo cheiro que exalava da cozinha: o café que foi passado, a esfiha que saiu quentinha ou um bolo para acompanhar o café. Inevitável sentar-se à mesa e passar a assuntos comuns a todos.
Eu e minha irmã os considerávamos como nossos terceiros avós, avós de coração. Foram eles que nos ensinaram que os nossos cuidados e carinhos podem ser estendidos a outros, como o vento que espalha docemente o orvalhar das cachoeiras e cuja umidade faz brotar as flores dormentes nas sementes perdidas nos lugares mais recônditos.
Ao longo dos anos, a vida foi escolhendo os momentos certos para desenlace de todos eles, exceto o de Clarice. No entanto, aquela alma resignada não encontrava força para queixar-se. Preferiu olhar adiante, confiante no futuro que somente aqueles que têm fé são capazes de sentir e entender. A casa bem cuidada, as flores vibrantes, a toalha sempre limpa e o sorriso inteiro, pleno nos faziam ter a convicção de quanto a vida é valorosa, não importando sob que condições.
A vida me levou por caminhos muito distantes. Não a visitava mais há muito tempo. Aos poucos a saúde dela foi piorando, junto com as dores e as limitações naturais da velhice. Eu tinha certeza de que ela estaria bem, apesar de tudo.
Há poucas semanas recebi a notícia da sua partida. Desde daquele dia, eu não pude evitar olhar para o céu e buscar nele as minhas referências do passado. Junto com o Príncipe e sua rosa, procuro ardentemente uma outra estrela que sorri.
Frederico Ferreira
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